"Número de mulheres no Congresso ainda é patético", diz consultora política

04/01/2020 11h05


Fonte O Globo

Há uma tensão que faz com que mais mulheres queiram concorrer nas próximas eleições no Brasil. É o que aposta a americana Cathy Allen, vice-presidente de Educação e Treinamento do National Women’s Political Caucus, uma organização voltada para ampliar a participação de mulheres na política. Também presidente do The Connections Group Inc, em Seattle, e comentarista política em canais como CNN e NBC, Cathy já viajou a 49 países para recrutar, treinar e eleger candidatas e critica a baixa representatividade feminina no Congresso brasileiro, onde as mulheres ocupam apenas 13% das vagas no Senado e 15%, na Câmara.

No Brasil, há casos de partidos com candidaturas laranjas de mulheres para desviar recursos. Há práticas semelhantes nos países que visitou?

Vi casos em países do Oriente Médio, como Jordânia e Marrocos. Formas de o partido conseguir dinheiro são: nomear a cargos mulheres que sejam filhas ou tenham relação com algum líder poderoso do país ou as indicando como candidatas em disputas eleitorais. Na África, onde só um pouco de dinheiro já pode fazer toda a diferença em uma eleição, mulheres que aparecem no topo das listas do partido não recebem dinheiro nem material de campanha. E, pior, também não são convidadas para coletivas de imprensa nem treinadas para as campanhas. Os partidos usam os recursos focados nos resultados da eleição, em como garantir que seus principais nomes se mantenham nos cargos. O dinheiro raramente é repassado de forma justa e igual a todos os candidatos.

Temos uma cota que determina que 30% dos candidatos do partido sejam mulheres. Isso acontece em outros lugares?

Há 24 países que usam esse tipo de cota. É uma tendência mundial para alavancar o número de mulheres na política. Para que haja democracia, é preciso que a representatividade de pessoas no governo seja proporcional à população no geral. Não sou uma grande fã dessa política, mas entendo que ajudou a pôr mais mulheres nos cargos de poder. E, quando temos uma quantidade expressiva de mulheres na política, há um empenho maior para tratar de assuntos mais ligados a causas humanas, como pobreza, meio de transporte a todos e melhores condições na saúde pública.

Qual país é exemplo em política para representatividade?

Há muitos países em que os partidos fazem as suas próprias regras. Meu favorito é o Canadá, onde, na Columbia Britânica, o Novo Partido Democrático (NDP, na sigla em inglês) aprovou uma regra na qual sempre que um homem do partido que está em exercício renuncia, se aposenta ou é forçado a deixar o cargo, uma mulher, um membro indígena do partido ou um candidato LGBT assume o lugar de quem está saindo. Em 10 anos, a proporção de mulheres no Parlamento subiu de 13% para 45%.

Qual sua avaliação sobre o Brasil?

Vejo o número de mulheres no Congresso e nas câmaras municipais e ainda é patético. O Brasil teve uma mulher como presidente que precisou deixar o cargo. Depois de uma situação dessas, imagino que algumas mulheres tenham ficado com medo de concorrerem em eleições, e que as pessoas ficaram nervosas com mulheres sendo candidatas. Isso porque toda vez que uma mulher comete um erro — ou mesmo quando ela não comete, mas todos afirmam que sim — todas as outras pagam por isso. Até mesmo se o erro já tiver sido cometido por homens que estiveram no mesmo cargo. Quando uma mulher assume algum cargo na política, ela será bem mais criticada do que homens na mesma posição. Acontece também que as mulheres se cobram demais para chegar a um padrão de qualidade elevado e isso faz com que elas não saiam como candidatas. Porém, também vejo que a situação está mudando. Muitas mulheres vieram até a mim e falaram que queriam entrar na disputa eleitoral. Há um sentimento de excitação, uma animação de quererem mudar o mundo para melhor. As mulheres estão se movimentando.

Como a postura de políticos que desrespeitam as mulheres afeta a participação delas em eleições?

Esses governantes fazem isso por sua conta e risco. Elas estão mais inteligentes, tem mais estabilidade econômica e passaram a ver o que outras mulheres estão fazendo no resto do mundo. Isso gera uma tensão, e é o que acontece no Brasil. As pessoas — e não só as mulheres — começam a não se reconhecer neste governo e a acreditar que ele não atende as demandas da população. Claro que isso é um processo, ainda veremos o que irá acontecer. Mas as pessoas já não estão tendo afinidade com os partidos. As mulheres, por exemplo, dizem “olha, eu tenho 30% de cotas nas eleições, mas na minha câmara municipal só há uma mulher e isso não é o suficiente”. E isso incentiva que elas se envolvam cada vez mais com a política.

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